Com o parto nasce mais do que um bebê. Veja: há também uma mulher recém-nascida. Há uma mulher que logo após parir ou encontrar seu filho por adoção, vive um período de transição: deixa de ser apenas filha para renascer também como mãe. Esta mulher experimenta um período paradoxal em que precisa se entregar inteiramente à sua cria, e ao mesmo tempo sente uma necessidade profunda de ser colocada no colo e embalada por uma voz amorosa que lhe diga: vai dar tudo certo! Você consegue!
É neste momento em que cuidamos de nossos rebentos de forma mais fusionada e com mais entrega que muitas de nós entramos em contato com o modo como fomos cuidadas por nossas mães.
Para algumas é tempo de desfrutar do prazer de ter o cuidado materno; receber amor em dobro: por si e pelo(a) filho(a). Tempo de perceber que suas dores e angústias serão acolhidas, tempo de experimentar a expansão do amor recebido.
Para outras, puerpério é tempo de reconciliar. Tempo de entender as dificuldades que a própria mãe passou e ressignificá-las. Certas mulheres vivem esta fase como tempo de constatar que houve faltas, negligências. Tempo de perceber que já esteve na posição de mãe há muito tempo, vivendo uma inversão de papéis com aquela que deveria cuidar e proteger. E esta consciência dói muito!
Fato é que para muitas de nós puerpério é tempo de sombras. Muitas mágoas e inseguranças vêm a tona gerando uma dor que leva mais do que 45 dias do tal "resguardo" para sarar (período que o corpo volta ao estado pré-gravidico. Só o corpo mesmo, não é?)
Entrar em contato com a forma como fomos cuidadas faz parte da construção de quem seremos como mães: seja como exemplo a seguir, ou do que não queremos repetir. De toda forma tenho a convicção de que o puerpério é mesmo tempo de passagem e momento com fortíssimo potencial para cura e ressignificações das relações.
Ser mãe nos faz ocupar um lugar que antes era visto como hierarquicamente superior. Podemos agora dividir questões mais profundas do feminino; passamos por um portal que nos coloca mais próximas de nossas mães como mulheres.
Nesse momento, o afeto, a intimidade e o respeito construídos ao longo da vida permitem que mãe e filha redefinam as fronteiras de uma nova relação. E quão rica pode ser esta atualização! Quando não é possível uma nova convivência, confio fortemente na resiliência feminina e na capacidade de apropriação de nossas dores como matéria prima para tecer um ninho verdadeiramente amoroso para nossos filhos. Somos sim capazes de fazer diferente!
P.S: aproveito para declarar meu amor à minha mãe! Amor que já atualizamos diversas vezes nesta existência. Amo-te!
Camilla Alves Lima Vasconcelos
Psicóloga (CRP 11/03169)
Diretora do IMA-Instituto Matrioska
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